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STF decidirá se crime de importunação sexual retroage para caso envolvendo criança

Processo está na 1ª turma e tem votos divergentes dos ministros Barroso e Moraes.

18 de Dezembro de 2018

Um processo em julgamento na 1ª turma do STF colocou em debate a nova lei de importunação sexual (lei 13.718/18), sancionada em setembro pelo ministro Toffoli no exercício da presidência da República.

O caso concreto é de um homem condenado por beijar de língua uma criança de cinco anos de idade – ele a levou para uma região erma para praticar o ato.

O relator do HC, ministro Marco Aurélio, implementava a ordem com reclassificação para a contravenção penal, decisão do Tribunal de Justiça que foi reformada no STJ. No julgamento da apelação, o TJ/SP entendeu que a conduta figuraria a contravenção penal do art. 65 do decreto-lei 3.688/45. Já na Corte Superior, a condenação foi na pena mínima aplicável ao crime de estupro de vulnerável, de oito anos, como havia determinado o juízo de 1º grau.

Importunação sexual – Retroatividade

Nesta terça-feira, 18, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou voto-vista denegando a ordem, mas propondo a sua concessão de oficio para que o juízo de 1º grau aplique ao caso o artigo 215-A do CP, que passou a prever o crime de importunação sexual – "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". A pena prevista é de reclusão de 1 a 5 anos.

O ministro Barroso considerou a solução dada pela 6ª turma do STJ em caso semelhante, que readequou a classificação do crime de estupro considerando a superveniência de lei penal mais benéfica ao réu, justamente, o crime de importunação sexual.

Conforme Barroso, na época do fato, o enquadramento penal era outro, de modo que a opção era entre dois extremos – a pena exacerbada do crime de estupro para um réu primário e sem maus antecedentes, ou a mais branda da contravenção penal, que estava extinta.

A doutrina sempre criticou a ausência de uma precisa diferenciação na lei das diversas modalidades de ato libidinoso. Por isso mesmo o julgador deve sempre procurar distinguir aquelas condutas mais graves e invasivas daquelas condutas menos reprováveis, preservando assim a razoabilidade e a proporcionalidade da resposta estatal.”

Segundo S. Exa., essa carência de conceituação precisa de ato libidinoso frequentemente conduziu o julgador, para não incorrer em sanções desproporcionais ou desarrazoadas, a desclassificar a conduta para contravenção penal, considerar o fato atípico ou para considera-lo tentativa de estupro.

Já a lei que tornou crime a importunação sexual, prosseguiu Barroso, foi justamente “editada num contexto de reação social àquelas condutas repulsivas de conotação sexual praticadas em transporte público, e muitas vezes de difícil enquadramento jurídico”.

Partindo da premissa de que o paciente praticou ato libidinoso diverso de conjunção carnal, o ministro concluiu que essa nova figura típica da importunação é mais adequada ao caso concreto, aplicando-a retroativamente.

Não se trata de fazer retroagir a lei penal incriminadora. No caso, o que se cuida, o ato praticado pelo paciente, inicialmente passível de enquadramento no artigo 217-A do Código Penal, com pena que varia entre 8 e 15 anos, passou a ser incriminado para condutas menos invasivas de forma mais branda pelo crime de importunação sexual, cuja pena varia de 1 a 5 anos. (...) A lei mais proporcional permite aqui que se dê uma apenação de forma melhor.

O ministro Marco Aurélio, ficando vencido, adiantou que iria aderir à proposta da concessão de ofício da ordem nos termos do voto do ministro Barroso.

Ato de pedofilia

O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, não só manteve o voto divergente de indeferimento da ordem que já havia proferido, como reforçou a sua posição.

Não é caso aqui de retroatividade de lei benéfica. São tipos penais absolutamente diversos e as próprias elementares do artigo 215-A demonstram isso. (...) O artigo 215-A não quis transformar ato libidinoso diverso da conjunção carnal em tipo menos grave. Ele criou um novo tipo, um tipo que não exige nenhuma participação ativa da vítima. Este é o tipo penal: praticar contra alguém, não com alguém. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lasciva.

Para Moraes, o crime de importunação sexual é adequado às situações-surpresas como um “beijo roubado”, em que a vítima não é forçada e, consequentemente, o autor está satisfazendo sua lascívia contra alguém e não com alguém.

São diferenças essenciais. O atentado violento ao pudor tinha a mesma pena do estupro. Aqui não se pretendeu transformar atos claros de pedofilia num tipo penal mais brando. O que se pretendeu aqui foi transformar atos mais leves do que estupro, mas muito mais graves do que importunação ofensiva ao pudor, nesse tipo.

Qual a conduta dos autos aqui? A questão da pedofilia não é só de conotação sexual, é de poder, de imposição à força. Criança de cinco anos, levou ela a um determinado local. É todo um contexto que caracteriza, eu diria, 90% dos casos de pedofilia. Nós estaríamos desclassificando uma clássica conduta de pedofilia. O 215-A é muito claro: praticar contra alguém e sem sua anuência. (...)

Ele não roçou simplesmente na criança, não roubou um beijo da criança. Ele teve toda uma conduta, levou a criança até o local ermo, beijou a criança. Não é que a lei penal mais benéfica deve retroagir. Essa lei penal não se aplica à conduta: a conduta foi submeter mediante violência presumida uma criança de cinco anos à prática conjunta de atos libidinosos. Ele forçou, ele não praticou algo de sopetão. Entendo que não há tipicidade para o art. 215-A. É claro e tradicional ato de pedofilia e sempre foi.

O ministro Barroso contra-argumentou afirmando que o problema desse tipo é que não faz distinção se houve coito vaginal, anal, sexo oral ou beijo: “Eu acho que fazer sexo vaginal, anal ou oral com uma criança é evidentemente diferente de um beijo lascivo. (...) Bem sei que a origem deste dispositivo foi efetivamente a importunação sexual no transporte coletivo. Mas uma lei, uma vez posta em vigor, se liberta da vontade subjetiva que a criou e passa a ter uma existência objetiva no mundo jurídico.

Após a ministra Rosa Weber acrescentar que tinha dificuldade em aplicar a nova lei no caso de vulnerável, uma criança, “sem liberdade alguma de opção”, “e o ato envolve um contato físico, um beijo de língua; é muito forte, é diferente de um ato obsceno, de um apalpar”, seguiu-se o debate entre Barroso e Moraes:

Ministro Barroso – “O problema real é que na prática como o tipo do art. do 217-A não distingue condutas mais ou menos invasivas, com frequência, como aconteceu aqui, os juízes desclassificavam. Portanto, o meio caminho talvez seja uma solução melhor que um dos dois extremos. Além do que, com todo respeito, acho que um réu primário de bons antecedentes que deu um beijo lascivo numa criança, gravíssimo, não merece oito anos de cadeia, que é uma pena superior a um homicídio.

Ministro Moraes – “Aí divergimos também. Um réu, primário ou não, pega uma criança de cinco anos, leva para um lugar ermo, isso é de uma violência gigantesca. Oito anos para mim é pouco.

O ministro Luiz Fux ficou com vista dos autos. A ministra Rosa aguardará para votar.

Ref.: HC 134.591

Fonte: Migalhas